N.01
Pelos céus nada além de aviões cinzas e
empoeirados se podia ver. E deles, estranhas estrelas cadentes se desprendiam
numa parábola ilusória. O céu de sonho tornou-se inferno e avermelhou-se na
face enquanto abusado repetidamente pela ignorância aguda das asas e hélices. E
as cadentes estrelas que pesavam rumo ao chão abriam espaço e apagavam pegadas.
Tivera por perto um calendário e já teriam
sido contadas duas semanas e meias de bombardeio. No primeiro dia, a comoção
passou da pelada jogada pelos bambini no campo improvisado para aquelas coisas
tão lindas que caíam feito presentes. Guardate
che belli che sono!, diziam os pequenos com uma mãozinha na testa a
se proteger do sol e outra na cintura enquanto os pezinhos descansavam, suados
e marrons.
Já no segundo, a única voz a soar sobre o
improvisado era dos motores. E não apenas os pés descansavam. Entre restos de
bolas, botões e bambini silenciosos, se olhássemos mais de longe, veríamos toda
a infância a dormir. Eternamente.
O terceiro dia era um jogo de
esconde-esconde. Os desconhecidos lá de cima contavam até três e começavam a
caçar. Não que fosse uma brincadeira lá muito justa, mas mesmo assim todos
brincavam. Quase como se não houvesse outra saída.
O restante do time de casa, os que haviam
sobrado, haviam chegado ao quarto dia e cortavam seus pontos positivos na
parede do porão da escola. O que havia restado da escola, claro. O quinto dia
acabou sendo enganosamente espetacular. Porque primeiro veio a graça de
acordarem juntos. Em seguida, nunca um pedaço de salame alimentara tantas
esperanças. E junto com o calorzinho gostoso da manhã do vilarejo, veio o
silêncio. Era um banquete de controvérsias: crianças calavam-se de alegria;
ruínas e escombros nunca dantes tinham despertado tanto prazer estético. A
única face da realidade que se alinhava com a imaginação dos bambini era a
ausência. Estavam sós. Forse loro
stanno a giocare nell'otra squadra, più lontano da noi - Talvez eles
estejam n'outro time que tá jogando mais pra lá!
Sobreviveram imaginando, talvez por força de
hábito da idade ou por uma maturidade recém adquirida que elegia a fantasia
como estratégia primordial. Os acontecimentos do sexto e sétimo dia
sobrepuseram-se entre mais estrelas de ferro que cortavam o ar em apitos
agudíssimos e menos identidade a ser reconhecida entre os moleculares
fundamentos de outrora pilares do vilarejo.
O grupo de dias que seguiu, pareceu se
abuletar na cidade sem um fio de criatividade. A palavra de ordem era destruir
e assim, cirúrgicas repetições em pontos estratégicos aconteceram. Ao final da
segunda semana, portanto, havia apenas acúmulos. Acúmulos e ausência. Quanto
maior restos e moradores a dormir, menor a humanidade do vilarejo.
A intensidade e ignorância do abraço aéreo
refletia o desespero pelo anúncio trazido com os momentos finais. A ideologia
de pureza não havia bastado para fazer tão grande nação mutar-se águia e sol. E
o desespero de achar-se superior foi transformado em agonia de saber-se mortal
e sozinho.
Havia sempre uma varredura final a ser feita
por um grupo de pobre-coitados que sentiam-se ligeiramente mais sensíveis por
receber tal incumbência. Tal responsabilidade acabava por colocá-los acima da
gentalha que os empregava, assim pensavam. E talvez, por um fino receio da
efetiva existência do juízo divino, esse grupo havia sido criado justamente
como subtexto humanista nas ensopadas vermelhas páginas do caderno de
estratégias da guerra. Fosse por ironia, fosse por destino ou talvez acaso, por
terem entrado na discussão da metafísica de seus atos, os varredores deixaram
passar uma constante batida abafada pelos escombros da biblioteca. Declarado o
sucesso da missão-desespero pelos varredores, a cidade foi deixada a seu
próprio velório. E entre as cinzas de Utopia e do Purgatório, a batida
constante respirou aliviada. Com uma das mãos protegera os olhos. Com a
outra, retirava o peso de cima de sua cintura. De pé, seus olhos tinham uma
direção e pareciam dizer somente uma palavra.
(por
Mateus Ciucci - 08 de março de 2013)
Que triste e poetica essa cronica, amore mio. Amei! Bjao!
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