Vamos
rir
Eu,
que me acho uma pessoa séria, tenho passado por uma remodelagem de perspectiva.
Nada melhor do que expô-la aqui para vocês mês
querides.
Quanto
de nosso tempo dedicamos a rir? Ou ainda, quanto tempo de nossa vida nos
fazemos rir? De cá e de lá ecoam os batidos ditados de que ‘Rir é o melhor
remédio’, de que rir faz bem pra alma, enfim, de que, em essência, o riso é
algo poderoso e terapêutico. Como fazer isso funcionar? Não existe até hoje
pílulas do riso para serem tomadas entre as refeições, não dá para contratar um
personal clown que nos aplique os
recursos da comédia diariamente e muito menos, na frenética cotidiana, não é
uma prática incentivada de nossa cultura fazer piada sobre nós mesmos, nos
expondo ao nosso próprio ridículo.
Mesmo
que isso possa nos ajudar e muito... em muito.
O riso pode surgiria como a
compensação da quebra de um paradigma. O riso seria causada portanto por quebra
de paradigmas, pela quebra da linearidade do raciocínio óbvio – ou que segue
uma linha aparentemente óbvia -, por inserção de contradições, pela paródia ou
canto paralelo, pela inserção de raciocínio absurdo em contexto aparentemente
cotidiano, pelo contraste...são inúmeros os recursos, tanto literários quanto
teatrais, para se fazer rir.
Um ponto importante a se
repensar é que em nossa cultura predominantemente católica, a culpa, o erro ou
aquilo que renderia material para auto-ridicularização é encorajado a ser
mantido para si, guardado como o erro. Poucos sabem, e eu me incluía nesse
grupo até poucos dias, a prática de comédia Stand-up veio do protestantismo e
da cultura judaica, em que os erros eram expostos pra comunidade, assumidos em
frente a ela. A prática de Stand-up não é somente a prática de contar piadas em
pé, mas de se levantar e se pronunciar. Ter algo a dizer. Por isso, comumente,
o comediante começa falando de si, expondo-se e desnudando-se para o público,
diminuindo a distância entre ambas as partes e dando-o, quase que de pronto,
direito de fazê-lo com o público.
Aonde quero chegar? Calma...
Outro recurso interessante para se explorar a comicidade é a multiplicação dos
pontos de vista. Duas crenças permeiam minha vida: a de que a arte, quando
parte constante da vida, contribui, com potencial qualitativo de nutrição
anímica, para a formação pessoal. A outra, a de que o sistema de educação deveria
se desligar em parte da neura bancária de conteudismo e treinamento de
informação, para se voltar a práticas que nos fizessem perceber a necessidade
de estarmos no centro de nós mesmos. Confuso. Práticas que nos ajudassem a
desenvolver uma propriocepção total, permeada pela educação sensível –
sensações, sentidos e sentimentos - e educação lógica – raciocínio lógico, abstrações
conceituais e habilidade expressiva numérica e vocabular. Menos confuso?
Multiplicar
pontos de vista seria útil, assim, para nós mesmos nos estranharmos, intervindo
em nossa própria vida. Achar o equilíbrio é uma meta interessante e que parece estar
na essência das grandes filosofias de vida. O equilíbrio, a harmonia de forças
em nós. A multiplicidade de gêneros em uma obra reflete com perfeição a
multiplicidade de potências emocionais em nós. O excesso de drama, o excesso
num ponto único aproxima-se da obsessão, que por sua vez se aproximaria na
fixação de nossa percepção num único ponto enquanto o restante de nossa
paisagem vital se torna um borrão. A perspectiva se desmancha e o peso se nos
cai. E com ele, desmorona nosso mundo. Tornamo-nos assim personagens de nossas
próprias tragédias. Como diria o poeta, a dor é inevitável na vida, o
sofrimento, opcional.
Empresto uma frase que me foi
presenteada por uma recém-descoberta amiga: É melhor ser inteiro do que ser bom
(parafraseada). E poderia listar várias outras belas frases que giram em torno
de algo que cada vez mais me parece distanciado de nós. A percepção e
aceitação, acima de tudo, de nossa falibilidade. E de nossa fraqueza. E de
nossa influenciável natureza. A arte tem diversas funções, entre elas a
necessidade de questionamento, de reviravolta das convenções e quebras de
raciocínios obsessivos, como citado antes.
Porém nada disso acontece se não
começarmos conosco. E aceitar o próprio ridículo, as próprias falhas, ao
contrário de enfraquecer, fortalece a própria imagem. Afinal, não é insulto
quando o que vem de fora já foi dito pela pessoa que mais convive com você:
você mesmo.
Buscar o humor como parte de si,
aceitar-se ridículo me parece um passo fundamental para quem se deseja em movimento.
Progressivo.
A vaidade importa, o orgulho,
também. A quebra deles, mais ainda. A ilusão da segurança traz certa
imutabilidade de caráter e de opiniões que me parece externa e estrangeira à
natureza humana. E aprender a reconhecer a própria instabilidade e suas
flutuações de humor é aprender a lidar consigo mesmo.
E
os gregos que a consideravam arte menor... Talvez por medo, por reconhecerem
que, na verdade, é pela comédia que se fortalece o caráter, que se limpa as
obsessões e que se abre os olhos para outros ângulos da realidade.
Tarefa nada fácil... Mas quem
foi que disse que comédia é algo fácil?
(Risos)
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