2 de jan. de 2012

O tempo artístico

Escrevo de um notebook, em uma cidade do interior de Alagoas, mais precisamente Japaratinga. A internet que uso é daquelas de pendrive, de uma dessas operadoras mais reconhecidas. Enquanto escrevo, tenho outras abas abertas com vídeos de música baixando. E em que ponto pretendo chegar?

O ponto de que com tantas inovações tecnológicas digitais - ênfase nessa última palavra! - nossa percepção do que é possível e impossível vem sendo afetada. Nossa compreensão de limites, idem. Mas além disso, nossa percepção temporal e nossa (in)tolerância de esperar por algo que precise de um 'tempo' a mais para se concretizar ou para ser apreendido deve, provavelmente, ter-se modificado mais nos últimos anos que em todos os séculos anteriores.

No post último procurei deixar clara minha intenção de investigar alguns pontos da realidade artística, por vezes em tom mais coloquial, por vezes com auxílio de estrutura mais acadêmica.

Neste venho tecer as primeiras linhas sobre o tempo artístico, como no título.
Antes de tudo, o que entendo por tempo aí? Certamente já lhes digo que não é o tempo cronológico. Tempo artístico é o período que circunda o momento que vai desde a ideia até a materialização da mesma, concretizando-a numa obra, de quaisquer naturezas do campo artístico.

Em 'Olhar Escutar Ler', livro de ensaios de Claude Lévi-Strauss, antropólogo e filósofo francês, li palavras interessantes sobre o tema. Debruçando-se sobre a obra de Marcel Proust, Strauss identifica a consciência daquele de que o tempo artístico é senão o tempo presente.

'Não há tempo perdido nem tempo recuperado (...) há apenas um tempo sem passado e sem futuro, que é o tempo da criação artística' (CURTIS in STRAUSS, p. 9, 2010).

Comentei no post passado que somos filhos de dois dos mais pobres movimentos artísticos da história da arte: o romantismo e o realismo. Ambos, como se percebe no geral, quiseram romper com características dos movimentos anteriores. O Romantismo propôs-se a romper com a rigidez normativa da forma, ponto marcante do Classicismo. O Realismo, entre outros pontos, procurou romper com a idealização proposta pelo Romantismo. Trouxe também o aprofundamento psicológico dos conflitos das personagens. Agora o drama viria 'de dentro'. Mas nesse intuito, buscou trazer 'a realidade' para o palco, fiando-se na compreensão da cópia tanto da fala, quanto da visualidade do cenário, figurino e movimentação cênica. Nisso, houve uma predilação pela estrutura cronológica de desenrolar do drama, pela linearidade e sucessão de acontecimentos e resoluções e pela objetificação.

Se atentássemos à nossa história da arte ocidental, veríamos que o realismo se constitui período tímido demais para ter ganho tamanha força.

Interessa à arte o sentido. A máxima de que hoje tudo pode deveria vir com a mesma segurança conceitual dessa afirmação. Infelizmente não é assim. Especificamente no teatro, pouco se permite nessa direção. Sim, os artistas do século XXI não pensam todos da mesma forma e nem querem todos a mesma coisa...na verdade, uma coisa temos em comum: queremos respeito pelo nosso trabalho. Mas temos ao nosso alcance uma vasta paisagem conceitual que foi montada e remontada, estruturada, quebrada, construída e reconstruída, esquecida, varrida, simplificada, objetificada, mas que parece não importar muito hoje.

Em falar de tempo sem passado nem futuro, Proust parece afirmar, com antecipação profética, que os recursos expressivos devem servir ao artista e respeitar a lógica de criação sem se reduzir a um formato rígido necessariamente, ou a uma incontestável subjetividade de emoções ou a uma licenciosidade infantil. Parece que a falta que nos habita e se fortalece no século presente é a falta que nos faz buscar numa casca discursiva a competência profissional que falta em nossas atitudes e ações.

Para que a arte recupere sua capacidade de desequilibrar-nos, de aguçar nossos ouvidos, cutucar nossa alma ou nos dar grata satisfação, precisa-se colocá-la de novo no centro de nossas vidas, no único tempo em que vivemos. Presente. E para tanto precisamos antes tornarmo-nos mais artesãos que magos digitais. O caminho me parece precisar em direção do humano, não do virtual.

Em resumo, tento afirmar que os artistas podem, cientes de seu trabalho, despertar os anestesiados sentidos dos leigos tomando como parte de sua responsabilidade profissional a recolocação da arte em toda sua amplitude formativa na vida das pessoas.

Em dez dias nos vemos!
Grande beijo a todes.

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