13 de mai. de 2012

Deixa-me fazer uma crítica...

Peça assistida: Modéstia
Texto de: Rafael Sprugelburd

'Duas estórias paralelas, uma na argentina nos dias de hoje, outra numa aparente Rússia do século 19, se revezam no palco, através de um jogo de portas, e narram crise econômica, amores impossíveis, o valor da arte. Um vaudeville contemporâneo, um quebra-cabeça teatral, original e instigante'.
Elenco: Bel Garcia, Fernando Alves Pinto, Gilberto Gawronski e Isabel Cavalcanti.
Direção: Pedro Brício.

Indo contra o costumeiro de se fazer a crítica no início da temporada, faço desta uma exceção. Por ser-me importante o exercício da análise, proponho a assistir mais apresentações e colocar aqui minhas resenhas e ponto de vista. Fica de sugestão para os que buscam um olhar mais analítico e de diversão e estudo para mim...

Numa sexta-feira, às 21h, após o terceiro sinal, sentado na cadeira J 09, observava eu um cenário belamente construído. Todo em madeira aparente, com duas portas na esquerda e direita altas, uma estante no centro alto, uma janela à direita do palco e mais uma porta que dava para uma cozinha. Entre outros elementos de cena, podia-se perceber um equilíbrio visual e certa sobriedade que me passou um alívio.

No programa, uma frase parecia dar o tom da peça: 'Apertem os cintos e abram mão da lógica'.

Como acima mencionado, duas estórias paralelas. Duas? Uma nos dias de hoje, outra há dois séculos. Ambas em países estrangeiros. Duas atrizes, dois atores cada qual com dois personagens.
À medida em que a peça acontecia frente ao público, um estranho se encontrava num apartamento de outra estranha. O acaso entre estranhos explicado por uma chave que abria duas distintas portas. E unia dois distintos casais com histórias entrelaçadas. Uma mudança sutil na intensidade da luz e éramos transportados para uma Rússia em luta, um escritor tuberculoso em conflito com seu ofício, sua esposa desejosa de sucesso e o encontro de ambos com um médico que repudiava sua profissão e sua esposa, também desejosa de sucesso.

Porém, ao passo que as estórias aconteciam, aqui e ali, projetados no cenário e planando alto no texto através do quase sempre bem trabalhado texto, preciosos detalhes uniam os anseios, medos e desejos daqueles oito personagens. E, ao sabor da atenção do público e da fina sugestão do autor, alguns pontos se cruzavam mostrando nossa tendência de buscar lógica naquilo que vivenciamos, seja pelo conforto da paisagem que assim melhor se avista, seja pelo ignorante único modo de ligarmos os fragmentos da vida que somente acontece como um mar de perdas, conflitos, risadas, brigas, lutas e farrapos.

Seriam assim portanto realmente duas estórias? Ou apenas uma de múltiplas faces, tendo em cada personagem e seu destino uma verdade mais ou menos compreensível?

O trabalhos dos atores que bem mantiveram a energia durante toda a noite exaltou o belo texto e nos deu momentos interessantes em que pude me conectar. Apesar de algumas escorregadas e de os personagens não terem se diferenciado muito entre si - seja por falha, seja por consciente escolha -, é justo dizer que a peça pode ser colocada entre as boas apresentações que tão raramente acontecem em Brasília.

Roubaram a cena as atrizes Bel Garcia e Isabel Cavalcanti, com suas personagens parte neuróticas, parte histéricas. Ambas carregaram belas partes cômicas e garantiram o contraste tão caro ao texto. Seja em defesa dos coreanos que mais surge como falso argumento para uma tentativa de demonstrar o lado humano da personagem que como real preocupação étnica, as mulheres transitaram melhor pelos meandros esféricos de seus papeis e fizeram a peça respirar.

Aguardem a revisão da próxima peça a entrar em cartaz no Teatro I do CCBB esta semana:
'Isso é o que ela pensa'


Aproveitem!

Grande beijo,
vosso ator Mateus Ciucci.

Nenhum comentário:

Postar um comentário